Memórias de uma vida.
Sempre quis ter uma vida simples – sempre disse isso, mas nunca consegui viver assim, com o passar dos anos descobri como o conhecimento pode complicar uma vida. Conhecer um segredo, uma fórmula, alguém, conhecer a verdade sobre o que julgava ser verdade.
Irei imitar o célebre Machado, em Memórias Póstumas de Brás Cubas resolve com seu defunto-autor narrar sua vida começando do leito de morte, depois voltando para o nascimento e assim por diante. Usarei deste expediente mais por conveniência do que por recurso inusitado, simplesmente é mais fácil relembrar partindo do presente em direção ao passado do que buscar precisar em algum lugar do passado um ponto de partida arbitrário.
Capítulo I
Começar após Terminar.
O ano de 2008 não foi um ano fácil para nossa família. Estive envolvido com uma Monografia de meu curso de Teologia pelo Seminário Presbiteriano Brasil Central. Além da monografia havia outros dois projetos exegéticos[1] em andamentos. Perspectiva de formatura participava desta comissão, organização para festividades e incertezas em relação ao campo de trabalho, a segunda graduação começada e esta finalmente terminada.
Como são felizes os que terminam! Como são desesperados os que acabam! Havia acabado de terminar, mas um momento de minha vida tinha acabado a vida estudantil. Trabalho, Água Boa! Já ouviu falar de lá? – me perguntavam sobre a possibilidade de vir para aqui como recém formado assumir a Igreja Presbiteriana de Água Boa. Assumi a Igreja como pastor em 1° de janeiro de 2009 e por fim, graças a Deus –pensava- havia terminado minha tão laboriosa vida estudantil.
Poucos dias depois uma amiga, me chega e diz “terá vestibular da UAB da Federal, o senhor deveria prestar, o curso é interessante, administração pública.” Pensei sobre aquilo, conversei com minha esposa e resolvi prestar, afinal que chances eu tinha de passar, havia terminado o Ensino Médio em 1999, nunca mais tinha colocado a mão num livro de Química, Matemática ou qualquer outra coisa. Pensando bem, fui fazer o vestibular para na verdade após a prova comprar mantimentos do mês já que em Nova Xavantina essas coisas são mais baratas.
Fiz o vestibular e passei. Comecei logo depois de terminar.
Capítulo II
Maldição e Trauma.
Final de ano. Expectativa pro bug do milênio. Estávamos em 1999. Minha grande expectativa era o resultado do então famigerado vestibular da Universidade Federal de Goiás. Havia me candidatado para o cruso de Farmácia. Tinha de dezesseis para dezessete anos vivia com os meus pais em Jussara, uma pequena cidade do interior de Goiás. O resultado sairia em janeiro de 2000. Era ainda o tempo da internet discada, tentei abrir a página com o resultado do vestibular várias vezes, mas a conexão sempre caía. Até que por volta das 10 horas da manhã consegui “entrar” na página. Fui aprovado, vida nova na capital em alguns dias. Adeus casa paterna, bienvienue au monde!
Mudei para Goiânia, de um aluno mediano durante toda minha vida escolar me tornei um fracasso total como universitário! Minha melhor nota talvez tenha sido um 2,5 em alguma disciplina. Odiava decorar, memorizar, repetir diante do novo mundo da capital. Não demorou para que os outros alunos passassem a me excluir, minha consciência pesar pois meus pais me sustentavam para estudar somente.
Passou o ano, a reprovação anunciada chegou. Era um novo ano e pela primeira vez na vida, era um repetente. Ser repetente numa universidade federal em um curso concorrido te coloca face-a-face com o vestibulando que você tomou a vaga dele no ano anterior. Passaram alguns meses vi que um “curso de biológica” não era pra mim.
Acabei com o curso no meio do caminho, abortei expectativas e expurguei esse furúnculo purulento de minha vida. Descobri minha vocação pensar. Pensar sobre tudo e como sempre fui cristão e protestante, porque não pensar sobre Deus? Assim como o padre Antonio Vieira alegava ser medíocre até ouvir um estalo que magicamente lhe abriu as portas para genialidade, acredito que ouvi alguma coisa que me mostrou qual caminho deveria seguir.
Após três anos de preparação fui encaminhado para o Seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil, estudei lá por quatro anos e consegui terminar. Por isso digo como são felizes os que terminam! Mas a maldição de não ser o que poderia ter sido sempre me assombra quando os “planetas corretos” se alinham com a lua minguante.
Capítulo III
De volta ao Segundo Grau.
Como é milagroso o nosso país. Durante o governo Fernando Henrique tive muitas conquistas. Meu primeiro emprego (meu primeiro salário, sessenta e dois reais), minha primeira namoradinha, e as maravilhas da reestruturação do Ensino Público. Não entendi direito, só sei que terminei a oitava série, como popularmente se dizia, e comecei o segundo grau, no curso de técnico em contabilidade, afinal, ou era isso ou fazer magistério, coisa que julgávamos ser a vocação das moças jussarenses ou dos rapazes que o queriam ser.
De fato o milagre se deu porque durante o primeiro semestre, fui informado que o nosso curso havia acabado nós não iríamos poder tirar o tão esperado CRC. Diante disso fiz minha transferência de escola e de modalidade de segundo grau, colegial e por sua vez redundou no ensino médio. Precisei fazer algumas matérias de adaptação e perdi outras como direito e constituição, técnicas de contabilidade, etc.
Namoricos, pressão de vestibular, concorrência acirrada estimulada pela escola através de “simuladões” classificatórios e assim por diante. Nenhum professor especial digno de ser lembrado ou esquecido, afinal acredito que todos a sua maneira foram eficientes no propósito de me preparar para ser aprovado no vestibular mais nada, e se tentaram ensinar alguma coisa sobre a vida, não quis aprender como todo adolescente, eu sabia de tudo e era imortal.
Capítulo IV
O Meio.
Por que “O Meio”? Bom primeiramente me permita definir como “o meio” os anos escolares iniciam após a alfabetização e terminam no fim do primeiro grau. Não tive formatura de primeiro grau, era muito orgulhoso e pré-potente apenas com 13 anos para celebrar uma medíocre conquista, como se vislumbrasse para o meu futuro as maiores das vitórias, algo impossível para meus reles colegas, mas que para mim seria uma questão de tempo. Tiveram a festa, fizeram o baile, confraternizaram-se e foram confraternizados. Despediram-se e se viram com outros trajes que não fosse o clássico uniforme. Abriram alguma cidra e dançaram a Macarena? Não sei, desperdicei o convite. Hoje olho para aqueles dias, e confesso, não por melancolia, acredito ser por amadurecimento, me arrependo de não ter ido. Não porque consegui “o grande feito”, ou muito menos por não ter conseguido. Só sei, e já sabia naquela época que aquele dia seria o último dia que veria esses amigos, colegas que conviveram comigo por anos.
Da escola? O que posso dizer, senão que conheci o melhor dos dois mundos? Na primeira fase o ensino particular, no resto o público. Na primeira fase um mundo restrito e estratificado entre filhos de beltranos. No resto, me encontrei entre os filhos do resto da sociedade. No ensino particular livros consumíveis, elaborados. No ensino público, apenas um livro totalmente consumido, o de gramática. Lembro-me deste livro emprestado pelo governo, o meu exemplar havia perdido capa, e umas trinta páginas antes de chegar a minhas mãos. Zeloso e consciente meu pai achou aquilo um absurdo, procurou comprar um novo não encontrou, mas fez o que pode, mandou reencadernar o livro, colocar as páginas perdidas de volta era impossível, mas conseguiu dar um ar mais respeitoso ao velho livro maltratado. Algumas vezes penso sobre isso com relação às nossas vidas, é impossível restaurar algumas páginas arrancadas, mas sempre é possível dar um ar mais respeitoso a um livro destruído com uma capa nova. Mas contrariando essa minha lógica, esse ar mais respeitoso vem justamente com o envelhecimento de nossa capa! Bom voltando ao objetivo, professores, de alguns gostei muito e depois vi que eram péssimos professores, como o de Educação-Física, que sempre deixava minha turma jogar futsal, mas nunca nos passou um aquecimento. Outros, não estão no inferno porque felizmente não sou eu que mando ninguém para lá. Uma coisa aprendi nesse meio, a palavra Demiurgo. Eu era o demiurgo e por algumas vezes enfrentava outros, entre colegas e professores.
Como sofrem os professores do meio! Ano após ano domando demiurgos. Possuem uma força titânica ou não tem escolha. Ou não tem escolha por terem essa força?
Capítulo V
Leitura.
“Olá, sou o agente x! Posso ser usado como ch, s, z e x (sk)” Lembro disso ser a primeira coisa que consegui ler na minha Cartilha com o Desenho de uma casa vermelha na capa. Acho que o nome dela era caminho da leitura, não sei, não lembro, se li o que estava escrito na capa, esqueci, assim como me esqueci de ler muitas coisas e de muitas coisas que li.
Um mundo novo me abria, para mim o início de uma vida de independência. Chega de “mamãe lê pra mim”, ou o que está escrito aqui?
Fui muito estimulado para ler, meus pais assinaram revistas em quadrinho para incentivar. Devo confessar, que neste momento começou um condicionamento que nunca mais consegui me livrar. Ficou claro para mim, quando recebi uma nota de alguns milhares de cruzados novos em que admirado li “burro é assim mesmo, tudo que vê, lê!” Não queria ler aquilo mas li.
Talvez isso fosse um prenuncio das várias coisas que iria fazer na vida apenas pelo simples fato de ser burro. Como eram sábias aquelas palavras, burro é assim mesmo, age sem pensar. Enfrentar desafios, e ler como sair desses desafios. Talvez, mais uma vez escrevendo este texto, descobri que faculdade significa faculdade, hilariamente escolha. Comecei a estudar por obrigação sobre choros e protestos, ainda com três anos, mas sempre que tive a escolha se poderia parar de estudar ou não, continuava a estudar.
Não sei se escreverei novamente um texto sobre esse assunto no futuro, mas imagino saber que apenas o último capítulo será coincidente, não saberei de onde começar. Imagino, sonho, mas não saberei.
meu amor, não sabia que seu periodo escolar foi tão ruim!! te amo! bjão
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