sexta-feira, 29 de abril de 2011

Para criar alguns inimigos…

Humor Cartum A burguesia sofre Carlos Latuff

O Evangelho da Burguesia. Contra toda forma de poder.

Lembro bem da música dos Engenheiros do Hawai : “toda forma de poder é uma forma de morrer por nada”. Quando criança vi algumas imagens, que se transformaram em ícones do final do comunismo soviético, como a queda do Muro de Berlim. Também me lembro de um rapaz na China, se colocando frente a um tanque de Guerra.

Essas barreiras foram depostas, outras se levantaram. Maior e mais imponente ao físico Muro de Berlim é o muro de reais, nossa moeda, levantado diante da exclusão monetária imposta, quer seja crônica, pontual ou esporádica. Crônica é para todos, em diferentes níveis de gravidade porque ninguém tem o dinheiro necessário para comprar o que deseja ou que precisa sempre.

Pontual, é para alguns em algumas situações onde posso contar com o dinheiro para comprar o necessário, mas falta para alguma necessidade ou desejo. Isto se resolve com o tempo. Esporádica é quando se tem o desejo de consumo, a possibilidade de adquirir o bem, não no momento desejado. Não importa sua renda, berço ou nome na praça, em algum momento esse muro foi colocado entre você e seu objeto de consumo. Seja alguns poucos reais necessários para “inteirar” um pouco de arroz a um necessitado, ou para comprar o helicóptero necessário do rico.

Entre esses extremos, encontramos nossa classe média protestante, presbiterianos a procura do consumo. Vivemos preocupados com concursos, estabilidade financeira, preço da gasolina, lançamentos da informática, escola de idiomas, etc. Afinal em nossa mediocridade, perguntamos de maneira retórica, não somos todos pobres? Sim, mas invejosos, arrogantes e desejosos da riqueza.

Esqueça “uma medida de trigo por um denário[1]; três medidas de cevada por um denário; e não danifiqueis o azeite e o vinho” (Ap 6.6). O salário de um trabalhador, não é capaz de manter sua família. Dilema: a comida de qualidade está cara (trigo)? Solução: coma pior (cevada). Afinal de contas, as marcas ruins servem para isso. É próprio da ralé ser obesa, anêmica e imprestável.

Vejo uma grande comunidade de irmãos na contagem regressiva para o lançamento do I-Pad no Brasil. Mas um lixo industrial para semear a injustiça entre todos. Pouco importa se com aplausos e isenção fiscal (diga-se de passagem, há uma campanha para isso) será construída em nosso país uma fábrica em que as condições de trabalho em sua planta de Twain são tão horríveis que quase uma dúzia de funcionários se mataram.

Claro que isso não irá acontecer no Brasil. As condições de trabalho serão garantidas por lei, resta então matar os funcionários de fome. Mais uma vez, obesos, anêmicos e esfomeados.

A forma de poder em que se morre por nada, agora é a forma de ostentar poder. Nossa sociedade tupiniquim e provinciana busca desesperadamente ainda, estabelecer classes e distinção entre as pessoas.

No lugar de um título de nobreza, porque não um bacharelado popularmente assimilado como “doto”? Ao invés de insígnias carregamos nossos celulares, notebook e agora porque não os i-pad?

Amo a tecnologia e seus inventos, odeio o fato de que boa parte do valor agregado a eles é o status-quo conferido a seus usuários.

Morre-se de trabalhar para ter algo capaz de demonstrar sua participação no regime vigente. Porque não propomos abrir mão desses novos itens e usar esse dinheiro como gratificação às diaristas, doar aos pobres?

Respondo, é necessário entreter a burguesia. Pastores desnecessários são necessários nessa obra de entretenimento. Uns entretêm com sermões motivacionais, outros com sermões exegéticos, mas poucos com sermões relevantes.

Sermão relevante é demonstrar que nós somos o objeto da justiça (social) e amor de Deus assim como também somos em grande parte seus executores. Na mesma medida que sou injustiçado, promovo, defendo e motivo a injustiça sobre meu próximo.

Somos assim, incoerentes e incompetentes. Amanhã quem vai querer um i-pad feito com os sonhos das criancinhas sou eu. Quem vai achar um absurdo o aumento da bolsa família também serei eu.

Termino com a afirmação, essa forma de poder (via ostentação) é uma forma de morrer por nada. Morra pelo evangelho de Cristo. Sei que infelizmente criei inimigos hoje.

Em Cristo, Rev. Thiago Amaral


[1] Quantidade paga a um trabalhador por um dia de serviço

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